TEXTO DE CLAUDIA BAIBICH
O
vocábulo catarse vem do grego Kátharsis, que significa etimologicamete
purgação, limpeza, purificação. Mais tarde utilizado por Freud como uma
descarga que alivia e ao mesmo tempo permite o registro,a
conscientização da experiência reprimida, sua elaboração e entendimento,
abrindo espaços para que novas experiências possam se chegar.O efeito catársico proporcionado pela ação das Pombas Giras na psique feminina possibilita a descarga desses sentimentos reprimidos, negados e transferidos, não só na vivência pelos médiuns, através das incorporações, como no contato com os consulentes e no próprio mito, adorado e refutado pela sociedade.
A imagem feminina sexualizada e transgressora, não é "privilégio" das Pombas Giras de Umbanda.
Todas as culturas primitivas tiveram
mitos representativos da sexualidade, enquanto impulso totalizador e
incontrolável. E essa era apenas, uma das faces da Deusa e por
conseguinte, mais um atributo feminino, não representava ou categorizava
a mulher como um todo estigmatizado, reduzindo-lhe os demais atributos,
a mulher era muito mais que sua sexualidade, era mãe,amante, guerreira,
conselheira e sacerdotisa. Exercia um papel significativo e valorizado
nessas sociedades.
Devido a doutrina religiosa
monoteísta, judaico-cristã, o feminino representado nas diversas deusas,
foi substituído por um Deus único e masculino. E com a imposição de
seus cultos, proibitivos e cheios de leis, a sexualidade feminina deixa
de ser natural e livre, para ser algo controlado, que deve ser exercido
apenas com objetivo de perpetuar espécie. "O ÚTERO É SANTIFICADO, MAS A
MULHER QUE O ABRIGA, ENQUANTO, UM SER COM DESEJOS E NECESSIDADES, NÃO!"
Os homens também estavam sujeitos a essas leis restritivas em relação à sexualidade, mas eram favorecidos com poligamia.
As mulheres que insistissem em
manifestar sua sexualidade, ainda que com seus maridos, estariam
excluídas da sacralidade e cairiam, em seu oposto: o profano, a
devassidão. Não haveria possibilidade de um equilíbrio, eram extremos
opostos os caminhos que as mulheres poderiam seguir para se manifestarem
enquanto seres humanos: ou eram santas ou eram prostitutas, aos
exemplos de Maria, a mãe virgem (santa, pura) ou Maria, a Madalena
(prostituta, pecadora).
Às santas eram proibidas
quaisquer possibilidades de prazer sexual, e às pecadoras eram-lhe
excluídas quaisquer possibilidades de salvação.
Qualquer um dos papéis assumidos, mutilava a essência e a completude feminina.
A mulher foi reduzida a uma ou
outra, seu destino fora traçado, as que insistiam em permanecerem fora
do sagrado, eram condenadas, apedrejadas, caçadas, torturadas, queimadas
vivas, "à fim de que se expulsassem os demônios que nelas habitavam".
As condenações e perseguições na
Idade Média, impostas pela Inquisição incluíam todas as manifestações
"consideradas heréticas", tanto por mulheres, quanto por homens. Mas a
cassação da feminilidade iniciou-se muito antes da Inquisição, com a
extinção das Deusas na nova Cosmogonia Judaico-Cristã.
A mulher, para sobreviver,
santificou-se. E como todos sabem, "santos não têm necessidades sexuais e
estão prontos para levarem uma vida asceta de sacrifícios e martírios".
Esses sacrifícios e martírios incluíram: submissão aos seus pais e
maridos (Dignitários proprietários), aceitação de casamentos arranjados,
obrigação de parir filhos homens (como se fôssemos nós as responsáveis
pela determinação do sexo dos bebês), anulação de sua sexualidade ( o
que não era muito difícil, visto a maneira como eram tratadas por seus
maridos ), anulação de seus desejos por conhecimentos intelectuais,
nulidade cidadã e política, exclusão da vida religiosa,enquanto
sacerdotisas, só aos homens cabiam os papéis de líderes em todos os
seguimentos privados ou sociais. A participação religiosa mais "ativa"
que alcançava era com freira, cerrada num convento.
O homem (claro, um homem e não uma mulher!) já tinha pisado na lua, e essas condições femininas, tinham evoluído muito pouco.
E é nesse cenário de total cassação dos direitos femininos, que as comadres se apresentam, imaginem o escarcéu!!!
A própria revelação da
Umbanda, com seus Caboclos, Pretos Velhos, e Erês, já foi difícil de
engolir,que dirá as comadres debochadas, irreverentes e provocantes. E
provocaram,provocaram mesmo!!!
Era necessário um remédio
amargo e em altas doses, para que a sociedade percebesse que mulher é
gente, tem sexualidade, tem vontade de xingar, de brigar, de estudar, de
ser livre, tem outros interesses fora do lar, etc.
Pomba Gira assume o papel de
libertadora e incentivadora dos desejos femininos: amor próprio,
manifestação da sexualidade, independência financeira, construção de uma
carreira, liberdade intelectual e principalmente a conscientização de
seus direitos como ser humano.
Sabe-se em psicologia, que tudo o
que é negado e reprimido fortemente, quando liberado, explode
intensamente na proporção de sua repressão.
Pois bem, a catarse foi feita, não é
mais necessária a permanência da imagem "devassadora" que as Pombas
Giras permitiram, e de certa forma estimularam que fosse construída
sobre elas. Da mesma forma que a mulher independente de seu papel
feminino retrógrado,também não é mais vista como um ser devasso.
Desde o final do século passado, com
a aproximação do centenário da Umbanda, as Pombas Giras foram
permitindo que nos aproximássemos de suas verdadeiras essências, e
descobríssemos um pouco mais sobre os mistérios que as envolve. E digo
um pouco mais, porque os mistérios nos são revelados em doses
homeopáticas, com prescrições rigorosas. E quando achamos que estamos
acessando esse mistério, deparamo-nos com novas ambiguidades e caímos
num novo paradoxo.
Resta-nos serenar nosssas
inquietudes e aguardamos as manifestações de sabedoria que nossas
comadres nos brindam, no momento em que acharem conveniente.
Nós, seus médiuns dedicados, estamos à disposição.
Laroiê Comadres!
CLAUDIA BAIBICH
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